Essa semana comemoramos o aniversário de um evento importante. Que trouxe esperança para o povo brasileiro que ainda sentia dor por conta de uma tentativa passada de vencer. Sim, foi aniversário do penta!
Mas mais do que isso, hoje é aniversário do Real!
Pode parecer bobo, mas a realidade é que se olharmos o contexto histórico, podemos dizer que nossa moeda se tornou estável muito recentemente e devemos toda a nossa estabilização econômica a ela (caso não tenha vivenciado, falei aqui na coluna sobre os tempos inflacionários brasileiros:clica aqui!). Então, vamos à história!
O primeiro trunfo do plano real foi seu realismo. Ao invés de propor uma solução que funcionasse do dia para a noite e sem contrapontos para a inflação, seus idealizadores pregaram desde o começo que a solução seria demorada e complicada. Isso fica claro no primeiro passo dado, que foi o PAI, Plano de Ação Imediata, onde a inflação não era apresentada como algo ocasionado pelos especuladores. O governo admitia que ela era um dos principais responsáveis pelo mal. O texto divulgado começava lembrando que só quatro países tinham tido inflação acima de 1.000% no ano anterior: Rússia, Ucrânia, Zaire e Brasil.
De concreto, o PAI cortou despesas públicas, criou o cadastro das empresas que não pagavam impostos, proibindo que participassem de concorrência pública, anunciou a segunda etapa da abertura comercial e do plano de privatização, propôs a criação de um imposto sobre cheques — o IPMF —, que foi o primeiro nome da CPMF, iniciou o ajuste dos bancos públicos, avisando que eles não estavam preparados para viver sem inflação.
Um segundo passo muito importante, realizado na implementação do programa, foi o Fundo Social de Emergência. Foi criado para ajudar em um problema que perdura no orçamento brasileiro. Partes da receita de impostos têm destino previamente estabelecido, o que engessa os gastos públicos. O fundo possibilitou uma flexibilização nessa rigidez, dando ao governo o direito de criar um fundo com 20% de todas as vinculações. Engenhoso, feito para ser temporário, mas o mecanismo permanece em vigor.
E finalmente, a solução final foi à criação de uma moeda nova. Porém, dessa vez não seria feito o simples corte de zeros, mas sim, uma transição entre uma moeda e outra. Contudo, haviam dois problemas:
O primeiro é que na Hungria, já haviam tentado o processo e deu errado, a inflação contaminou a nova moeda indexada e a Hungria produziu a pior hiperinflação da história. Na verdade, a rejeição à velha moeda enquanto uma nova já estava em vigor iria acelerar a inflação. Disso os economistas sabiam desde a Idade Média, quando os ducados emitiam moedas com diferentes graus de ouro e prata em sua liga. O fenômeno ficou conhecido como Lei de Grescham e podia ser resumido assim: a nova moeda expulsa a velha. Portanto, o caminho era introduzir uma unidade indexada não como moeda, mas como embrião de uma nova moeda.
O segundo é que era inconstitucional ter duas moedas circulando ao mesmo tempo.
Assim, o tal “embrião” da nova moeda foi criado com o nome de URV. A URV era uma criatura do sistema monetário, poderia ser usada nos contratos, como unidade de conta, mas não era emitida, não circulava, não pagava contas nem impostos. Era moeda e não era, ao mesmo tempo (ou seja, era constitucional). Naquele exato momento do seu aparecimento, a URV valia 647,50 cruzeiros reais. Todos os dias a cotação seria diferente e fixada pelo Banco Central. Ocorreria inflação em cruzeiro real, mas a URV teria que permanecer fixa. Não era obrigatório, num primeiro momento, ter os preços afixados em URV, mas quem adotasse teria que incluir também o preço em cruzeiro real.
O brasileiro então foi aos poucos se acostumando com a URV. Não era fácil. Mas por ter passado tanto tempo fazendo contas por conta da inflação diária, conseguiu se adaptar, aguardando então o dia em que a URV se tornaria efetivamente uma moeda.
O embaixador Rubens Ricupero, que assumiu o ministério da economia no lugar de Fernando Henrique (que havia virado candidato a presidência), passou os dois meses seguintes explicando o plano, contando como seria feita a transição para a nova moeda, o real. Tudo se soube com antecedência, tudo era exaustivamente explicado.
E a partir de 1 de maio todos ficaram sabendo que no dia 1º de julho de 1994 o real seria oficialmente a oitava moeda brasileira no século XX. O dinheiro brasileiro já havia sido mil-réis; em 1942 virou cruzeiro; em 1965, cruzeiro novo e um dia esqueceram o adjetivo “novo”. Em 1986, o cruzeiro virou cruzado, depois cruzado novo, voltou a ser cruzeiro, virou cruzeiro real, e, naquele dia marcado, a URV viraria o real.
Tanques, carros blindados do Exército e tropas ocuparam o Centro do Rio no dia 13 de junho de 1994. O que estava acontecendo naquela manhã no Rio era o começo da mais impressionante operação logística feita no país. Até aquele dia, a Casa da Moeda do Rio já havia produzido 935,5 bilhões de cédulas que representavam os R$ 24,6 bilhões que começaram a ser distribuídos. A encomenda era de que produzisse 1,15 trilhão de cédulas, 330 bilhões de moedas. Além dos 260 milhões importados. As cédulas e moedas tinham sido levadas por aviões da FAB para todo o Brasil. Entregues nas delegacias regionais do Banco Central, e depois nas agências do Banco do Brasil. A dobradinha Banco Central-Banco do Brasil levou o novo dinheiro a cada cidade, a cada agência bancária.
Enquanto isso, como pacientes de stress pós-traumáticos, os brasileiros temiam o pior de cada plano. Ao mesmo tempo queriam a intervenção do governo. Alguns adiavam compras, aguardando os preços estáveis na nova moeda; outros lotaram de novo os supermercados. O supermercado Freeway, da Barra da Tijuca, vendeu oito toneladas de carne em uma hora e acabou com o estoque de açúcar, assim que avisou que os produtos estavam em promoção. Consumidores admitiam que estavam fazendo estoque para dois meses.
Porém, a transição para o real acabou sendo tranquila e feita num prazo bem menor que o esperado. Na MP da URV estava dito que o processo de migração para a nova moeda poderia se dar em 360 dias. Foram necessários apenas noventa dias. Antes mesmo, no fim de maio, 92% das indústrias já a usavam.
E assim surgiu o real. Claro que não foi no 1 de julho que magicamente tivemos uma moeda estável, existem diversas histórias de bastidores políticos e problemas na era do real. Mas com certeza foi o passo mais importante para a “tranquilidade” que vivemos hoje (embora constantemente ameaçada) em relação a nossa moeda.
Então, nessa semana especial, pode comemorar o aniversario do penta da seleção brasileira, pode comemorar o aniversário da nossa moeda e pode também comemorar que semana que vem tem mais #sextaquelevemhistória!
Lucas Martinez – Assessor de Investimentos da Diagrama
Entre em contato conosco: (11) 95091-2770 | Rua Amazonas, 439 CJ 45 – São Caetano do Sul XP (ABC) | Av. Ibirapuera, 1753 – XP Moema – SP.
Imagem: Odd Andersen/AFP via Getty Images